Entenda caso de doméstica que voltou para casa onde teria sido escravizada por 40 anos

No início de junho deste ano, o Brasil foi surpreendido com a notícia de uma operação da Polícia Federal (PF) em Santa Catarina que tinha como alvo o desembargador Jorge Luiz Borba. O magistrado, presidente da Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), era suspeito de manter uma trabalhadora doméstica em condições análogas à escravidão por quase quatro décadas. Essa história trouxe à tona questões sobre direitos humanos, justiça e filiação afetiva, gerando debates acalorados em todo o país.

De acordo com as investigações da PF, o desembargador Jorge Luiz Borba e sua esposa mantiveram uma trabalhadora doméstica em condições degradantes por um longo período. A mulher, que era surda e muda e não teve acesso à educação formal, trabalhava sem registro formal de emprego, salário ou benefícios trabalhistas. Além disso, vivia em condições precárias e não tinha acesso a assistência médica. As denúncias envolviam “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”, conforme apurado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Testemunhas ouvidas pela PF relataram que a vítima era tratada com desrespeito e que sua condição de trabalho era deplorável. As acusações incluíam alegações de que a trabalhadora comia somente após os patrões e dormia em um quartinho nos fundos da casa. Essa terrível realidade contrastava com a vida de conforto desfrutada pela família do desembargador.

Após a operação policial, Jorge Luiz Borba emitiu uma nota oficial em que negava as acusações e afirmava que a trabalhadora era tratada como um “membro da família”. Ele alegou que seus propósitos eram humanitários e que as denúncias eram infundadas. Esse comunicado gerou controvérsias, pois a gravidade das alegações de trabalho escravo não parecia condizer com a justificativa apresentada pelo desembargador.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma reclamação disciplinar para investigar a conduta de Jorge Borba no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A vítima também prestou depoimento à Polícia Federal, reforçando as acusações de maus tratos e condições precárias em que vivia.

Além disso, o caso ganhou ampla repercussão na mídia e na sociedade, provocando debates sobre as desigualdades sociais e a falta de proteção aos trabalhadores vulneráveis. Muitos questionaram como um desembargador, responsável por julgar casos de justiça, poderia estar envolvido em uma situação tão condenável.

Em meio às investigações e à polêmica, o desembargador Jorge Borba anunciou sua intenção de entrar com um pedido de filiação afetiva da vítima, alegando que o objetivo era “regularizar a situação familiar” e garantir a ela todos os direitos hereditários. Essa decisão levantou uma série de questões sobre as motivações por trás desse gesto e sobre o reconhecimento jurídico da filiação afetiva.

A filiação afetiva é uma construção jurídica que reconhece a formação de laços familiares baseados no afeto, independentemente dos laços biológicos ou legais. O pedido do desembargador traz à tona um debate importante sobre como a justiça brasileira lida com questões de família e afeto.

O caso ganhou novos contornos quando o ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça autorizou que a vítima retornasse à casa do desembargador, caso desejasse. Essa decisão foi tomada após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitar o pedido da Defensoria Pública, que buscava proteger a vítima impedindo esse reencontro.

O processo seguiu para o STF depois que o ministro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deu parecer favorável ao pedido do desembargador para poder retomar o contato com a empregada. Segundo Campbell Marques, ele não viu indícios suficientes de crime porque a empregada “viveu como se fosse membro da família” na casa do desembargador.

A mulher de 50 anos retornou à casa no dia 6. O defensor público federal William Charley Costa de Oliveira, que apresentou um habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal para impedir o reencontro, disse que irá recorrer ao STF para que o caso seja avaliado pela segunda turma da Corte.

O ministro Campbell Marques, do STJ, justificou sua posição alegando que a empregada “viveu como se fosse membro da família” na casa do desembargador. Essa decisão gerou controvérsia e dividiu opiniões, levantando questões sobre o entendimento do sistema judicial em relação ao trabalho escravo e às condições degradantes.

O caso do desembargador Jorge Luiz Borba expõe uma série de problemas que permeiam a sociedade brasileira, desde a persistência do trabalho escravo até as complexas questões de filiação afetiva e direitos humanos. Independentemente do desfecho legal desse caso, ele serve como um lembrete da necessidade de garantir que todos os cidadãos, independentemente de sua posição social, sejam tratados com dignidade e respeito. Além disso, levanta questões importantes sobre a maneira como o sistema de justiça lida com situações de abuso e exploração. Resta esperar que esse caso traga mudanças significativas na abordagem dessas questões no Brasil.